“Cada um, dê conforme
determinou em seu coração, não com pesar ou por obrigação,
pois Deus ama quem dá
com alegria”. (2 Coríntios 9:7)
1 – Introdução
Sempre que
começamos ler Gênesis, surgem diversas perguntas, curiosidades e até mesmo
dúvidas a respeito das histórias contadas.
É comum,
procurando por respostas, acharmos as mais absurdas conclusões teológicas na
especulação do que seja certo e verdadeiro. No entanto, é preciso observar
algumas referências a fim de encontrarmos o propósito de Deus na história da
criação, sabendo que tudo o que foi feito, criado e dito, teve um propósito
preestabelecido por Deus antes mesmo da criação do mundo.
2 – A Oferta
Antes de começarmos a falar sobre Caim e Abel,
vamos recordar os acontecimentos diretamente ligados ao primeiro homicídio
entre irmãos. Adão e Eva foram expulsos do Paraíso, o Jardim do Éden. Agora
eles conhecem o bem e o mal, e reconhecem que estão nus, descobertos. E para que a
nudez do homem e da mulher, isto é, para que o pecado deles fosse coberto, o
sistema sacrificial é iniciado. O próprio Deus faz roupas de pele de animal para eles, derramando
sangue pela primeira vez na história da humanidade. A “cobertura pelos
pecados”, ou a remissão é estabelecida por meio do derramamento de sangue.
Deus havia prometido uma redenção por meio da
mulher. De fato, quando o Eterno sentenciava a
sorte da serpente, Ele prometeu: “Estabelecerei
inimizade entre ti e a mulher, entre a tua descendência e o descendente dela;
porquanto, este te ferirá a cabeça, e tu lhe picarás o calcanhar”. (Gn 3:15)
O plano da redenção contemplava um descendente da mulher,
um filho,
que estaria encarregado de derrotar a serpente e a sua descendência (sim a descendência da serpente, que aqui é símbolo de
uma geração pecadora contumaz). Isto quer dizer que o inimigo também
traria do homem uma descendência ímpia.
Só por curiosidade, no Novo Testamento,
quando João Batista chama
os Fariseus de “raça de víboras“,
em Hebraico ele dizia זֶרַע
צִפְעוֹנִים “descendência da serpente”.
E o capítulo quatro do Gênesis abre
relatando o nascimento de Caim e Abel.
“Então Adão teve relações sexuais com Eva, sua
mulher; ela concebeu e deu à luz Caim, e declarou: Com a ajuda do Senhor, tive
um filho homem”. (Gn 4:1)
Caim foi o primeiro “homem nascido de humanos”.
O seu nome em Hebraico é Qayin, que vem
do verbo
qanah “adquirir” e significa “possessão”.
Com o nascimento de Caim, Eva
imagina ou mesmo tem a “certeza”, de que a profecia se cumpriria nele. Ela
esperava por isso, e certamente Caim cresceu ouvindo que ele era o fruto daquela
promessa.
Mas passou o tempo, e nada aconteceu. Talvez
eles esperassem que Deus os devolvesse ao Éden e que aquela vida dura pela qual
agora viviam, fosse aliviada. Mas nada aconteceu.
Foi quando Caim teve uma idéia, oferecer a
Deus uma oferta (Gn 4:3)
Quem sabe não era isso que estava faltando?!
E ele ofereceu alguns frutos da terra, e ao
invés disso, Abel oferece uma ovelha. Mas não uma simples ovelha, ele oferece a
melhor, um primogênito do seu rebanho, um animal perfeito. E isso agradou a
Deus.
3 – O Primeiro Homicídio
A história de Caim não está demonstrada por
acaso nas escrituras. Sua atitude para com seu irmão serve como um claro
ilustrativo dos efeitos da queda sobre os seres humanos. Aquele ser criado para
estar com Deus, criado para amar, prefere distância de seu Criador e dá lugar ao
ódio, e os efeitos são completamente danosos.
Gênesis prossegue a sua narrativa, e agora vemos a forma com
que os filhos de Eva escolhem para servir a Deus. Caim se torna um lavrador da
terra, e Abel pastor de ovelhas (Gn 4:2)
Esse verso traz um relato muito interessante.
“Lavrador” em Hebraico
significa “servo”. Veja que Caim era um “servo”
da terra. Terra aqui é a palavra
adamah, o mesmo material de que Adão foi feito. Adamah é a
representação do próprio homem.
Caim era servo do homem, servia primeiramente
a si mesmo. Era servo porque era dominado e servia à terra. Uma coisa é você
trabalhar neste mundo para poder ter a sua sobrevivência com dignidade. Outra
coisa é ser um servo do mundo.
O homem foi feito da terra, e o mandamento
divino era para que o homem dominasse a terra, ou seja, que o homem tivesse
domínio, controle próprio, e não que fosse dominado pelas coisas da terra (Gn 1:28)
O ofício escolhido por Abel
reflete muito da sua humildade, do seu coração voltado para a obediência ao
Senhor. Temos que compreender que os textos do Gênesis tem conotações
simbólicas e espirituais fortíssimas.
Caim acreditava em si mesmo, pensava que era
o Cristo (prometido por Deus) e quanto mais confiava na sua própria força, mais
se tornava escravo de si mesmo. Imagine Caim crescendo, sendo ensinado por sua
mãe de que ele traria a redenção ao pecado do jardim. Por isso, em sua oferta
Caim traz vegetal.
Há uma tradição muito antiga, no meio
Judaico, de que na “era messiânica”, não seria mais necessário o sacrifício de
animais. E se Caim era o Messias, então o único
tipo de oferta a ser oferecida seria a de vegetal.
Portanto, a oferta de Caim
era a confissão da sua autossuficiência, de sua autoconfiança, de se declarar o
Enviado de Deus. Mas como tudo isso não era verdade, ele não foi aceito. (Gn 4:3-4)
Já Abel, seguiu o exemplo do
próprio Deus e sacrificou uma ovelha, remindo seus próprios pecados e foi
aceito.
“Todavia, não se agradou de Caim e de sua oferenda; e, por esse
motivo, Caim ficou muito irado e seu semblante assumiu uma expressão maligna.
Então o Senhor abordou Caim: Por que estás furioso? E por qual motivo teu rosto
está transtornado? Se procederes bem, não serás aceito? Entretanto, se assim
não fizeres, sabe que o pecado espreita à tua porta e deseja destruir-te; cabe
a ti vencê-lo!” (Gn 4:5-7)
4 – O Sinal de Caim
O que se segue todos
conhecem. Caim, ao invés de repensar seu modo de vida, mata o irmão.
O sentimento aqui não era o
de ciúme, mas de inveja. Ciúme deseja o que a outra pessoa tem, enquanto a
inveja cria ódio contra quem tem o que você deseja.
Quem cultiva esses
sentimentos, cultiva também uma família marcada por eles. A família de Caim
alcança as alturas da perversidade em sua época. Em Gn 4:19 nós
vemos a primeira descrição de poligamia, uma perversidade
sexual que volta a nos assombrar nos dias atuais. Foi Lameque, da linhagem de
Caim, que iniciou essa aberração. O mesmo Lameque se gaba de ser um assassino
ainda maior que seu pai (Gn 4:23-24). Há um simbolismo macabro nessa
passagem (Gn
4:24). Lameque diz que se Caim foi ‘vingado’ sete vezes, ele
deveria ser ‘vingado’ setenta e sete vezes.
Sete é o número da Aliança com Deus. Ao usar
esse simbolismo, Lameque admite uma deformidade, uma caricatura macabra da
Aliança divina. Ou seja, Lameque promove uma aliança demoníaca.
Esse tipo de aliança é muito mais grave do
que o chamado “pacto com o demônio”. Não é algo imediatista, para ganhar algo
(e perder tudo). Mas é uma relação profunda e sem volta com Satanás. Uma
servidão escolhida e abraçada por ele livremente.
“E pôs o Senhor um sinal em Caim, para que o não ferisse qualquer que o achasse”. (Gn 4:15)
Aqui o texto em Hebraico diz, “E colocou o Senhor em Caim um
sinal“. Há muita especulação sobre o que seria esse sinal, mas
o que podemos dizer é que geralmente na Bíblia, “um sinal“
significa algo que é miraculoso,
que aponta para o futuro. A marca de Caim não era algo físico,
não era a cor da pele, não era a raça, não era algo no DNA, era o
pronunciamento de Deus a respeito da sua descendência, dizendo que ninguém o
mataria e que ele frutificaria na terra, deixaria uma geração.
O
fato é que Deus poderia ter acabado com Caim, ali mesmo, pois ele era merecedor
de um castigo capital por tentar enganar o Criador, o dono da vida. Mas a
misericórdia do Eterno foi muito grande.
5
- Conclusão
Nos dias atuais, as coisas não são muito
diferentes. O diferencial é que, ao contrário daquele tempo, em que a linhagem
de Caim é praticamente deixada de lado como uma insignificante parte da
humanidade, as atitudes do mundo moderno não deixam dúvidas: a linhagem de Caim
hoje é numerosa e poderosa, dominando os meios de comunicação e cultura, e se espalhando
pelo povo com poucas barreiras pelo caminho.
É fácil comprovar essa afirmação. Pelas ações
reconhecemos a quem a pessoa serve.
O que mais tem acontecido nos tempos
modernos, senão a mais completa degradação?
A história de Lameque, sua poligamia e
violência, confirma o que a Tradição sempre afirmou: a luxúria, quando
desmedida e sem limites, vem sempre acompanhada de violência.
A quem vamos servir? Que caminho escolheremos para a nossa
vida? Qual é o impacto dessa escolha para a nossa vida e para o próximo? Esse é
o tipo de pergunta que não fazemos, pois queremos viver de prestígio, cobiça, e
prazer. Sintomas compatíveis com a marca de Caim.
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