*** Somente a Deus seja a Glória ***
Texto Básico: Êxodo 20.1-6
1 - Introdução
Em oposição à teologia romana da
Idade Média, uma das bandeiras dos reformadores era uma defesa dos dois
primeiros mandamentos. Diante da veneração aos santos, às relíquias e aos
padroeiros, eles defenderam corajosamente que somente Deus é digno de glória.
A teologia reformada admite que
muitos irmãos do passado se destacam pela sua vida cristã, mas, ao mesmo tempo,
insiste em afirmar que somente Deus deve ser adorado. Veremos, também, formas
evangélicas de canonização e endeusamento de pessoas e aprenderemos a nos
posicionar diante desse fenômeno pós-moderno com sabedoria e firmeza.
2 - O Deus Único em Oposição às Imagens
Outro ponto fundamental da teologia
reformada é conhecido pela expressão latina que dá título a esta lição: Soli
Deo gloria (glória somente a Deus). Com essa bandeira, os reformados
enfatizam o ensino bíblico de que somente Deus merece adoração, refletindo, assim,
o ensinamento da singularidade de Deus.
De acordo com a Escritura, não há
mais de um Deus. Há um só Deus vivo e verdadeiro. Na prática, essa doutrina
bíblica não apenas proíbe a adoração de qualquer criatura, tais como anjos,
santos e relíquias, mas também a adoração do Deus de Israel na forma de
qualquer criatura.
Antes de passarmos ao estudo, é muito
importante delimitarmos a questão que será abordada aqui. A questão não é
se irmãos piedosos do passado devem ser respeitados e honrados por sua fé e até
mesmo imitados em sua fidelidade ao Senhor. A Escritura não se opõe a isso (Lc
1.48; Mc 14.9). A questão é se esses irmãos piedosos do passado devem ser adorados.
Com relação à prática católica
romana, é notório que a adoração aos santos é uma das partes principais de sua
vida devocional. Os santos são honrados com templos, capelas, altares, missas,
festas e dádivas que são oferecidas a eles, bem como com orações, juramentos e
votos. De modo geral, eles são invocados como intercessores, protetores
do mal e concessores de bênçãos. Vejamos o que a
Escritura tem a nos dizer sobre cada uma dessas atividades atribuídas aos
santos.
Intercessão - A Escritura afirma que temos um intercessor
diante de Deus: Jesus Cristo (Rm
8.33-34). O autor da carta
aos Hebreus diz que “por
isso, [Cristo] também pode salvar totalmente os que por ele se chegam a Deus,
vivendo sempre para interceder por eles” (Hb 7.25). A Escritura é clara ao afirmar que
“há um só Mediador entre Deus e os homens, Cristo Jesus, homem”. Portanto, não
há base bíblica
para a doutrina de que os santos intercedem por nós
junto a Deus.
Proteção contra o mal - A Escritura tem um ensinamento sobre
isso. O próprio Jesus nos ensinou a orar: “Não
nos deixes cair em tentação, mas livra-nos do mal” (Mt 6.13). Quem pode nos livrar do mal, segundo
a Escritura, é o próprio Deus. Foi ele que permitiu que Jó fosse tocado em sua
prosperidade, em sua família e fosse afligido do alto da cabeça à sola dos pés (Jó 1.12; 2.6) e foi ele que impediu que os leões
abrissem a boca contra Daniel (Dn
6.22). É Deus quem pode
nos livrar do mal, segundo a sua vontade, e é ele quem pode permitir que o mal
nos alcance, para sua glória e nosso benefício final e eterno.
Concessão de bênçãos - De acordo com a teologia católica
romana, os santos são nossos mediadores diante de Deus e, assim, podem obter
benefícios temporais e espirituais para nós não somente por suas orações, mas
também por seus méritos. Por serem puros, merecem ter seus pedidos atendidos
por Deus. A Escritura afirma que é Deus “quem
a todos dá vida, respiração e tudo mais” (At 17.25). É Deus quem faz vir a chuva “sobre justos e injustos” (Mt 5.45). O salmo 104 é um longo louvor a Deus
por ser o Criador e o Sustentador de tudo o que existe. Quem concede bênçãos é
Deus, não outro.
Os ensinamentos da Escritura,
associados ao fato de que não há sequer um preceito, uma promessa ou um só
exemplo de adoração aos santos em toda a Escritura formam a base da doutrina
reformada de que somente Deus deve ser adorado.
Alguns teólogos católicos romanos
tentam se livrar do peso da doutrina reformada alegando haver uma distinção
entre as palavras gregas latreia edouleia. Segundo
eles, o termo latreia significa a adoração que deve ser dada
somente a Deus. A veneração aos santos é descrita como douleia, por
isso, segundo eles, a adoração, veneração e invocação de santos não pode ser
considerada idolatria.
Sobre isso, precisa ser dito que a
Escritura não reconhece a distinção católica romana entre latreia e douleia,
mas reivindica adoração somente a Deus. No Novo Testamento, a palavra
grega latreia só é usada como referência à adoração a Deus. No
entanto, a palavra douleia também é usada nesse mesmo sentido (Mt 6.24 – servir; Rm
12.11 – servindo ao Senhor; 1Ts 1.9 – servirdes o
Deus vivo). Portanto, essa
distinção feita pelos teólogos católicos romanos não tem apoio na Escritura.
Em resumo, segundo
a Bíblia, toda adoração ou invocação religiosa dirigida a qualquer ser que não
a Deus é uma adoração idólatra (Rm
1.25).
3 - O Deus Único em Oposição às Relíquias e aos Padroeiros
Uma extensão da adoração aos santos é
a adoração às suas relíquias. Relíquias são objetos pertencentes ou
supostamente pertencentes a cristãos piedosos do passado que, no decorrer do
tempo, foram canonizados. Entre essas relíquias encontramos fiapos de roupas,
retalhos de mantos, pedaços de unhas e dentes, fios de cabelo, ossos e vários
outros objetos e pedaços do corpo. Como em nenhum lugar a Escritura fundamenta
este tipo de adoração, nem ordena que seja realizada, nem atribui alguma
promessa a ela, nem dá exemplo que deva ser seguido, a teologia reformada
considera esse tipo de adoração como uma superstição religiosa.
No governo do imperador Constantino,
começou a ocorrer a exumação de cadáveres de cristãos piedosos para que fossem
enterrados em lugares mais vistosos. Isso foi ordenado pelo próprio imperador.
Ele queria que as solenidades das religiões pagãs fossem assimiladas pelo
cristianismo para tornar a religião cristã mais aceitável aos pagãos. Quando
viu os pagãos transferindo, com grande pompa e solenidade os cadáveres de reis
e líderes religiosos que tinham sido sepultados em lugares obscuros para
sepulcros tão esplêndidos que se tornaram verdadeiros monumentos, ele pensou
que essa honra devia ser dada aos grandes líderes e mártires cristãos. Porém,
quando os restos mortais desses irmãos começaram a ser exumados e transportados,
os cristãos passaram a vê-los como protetores do país ou cidade para os quais
os corpos eram levados. Foi daí que surgiu a idéia de “santos padroeiros”, que
passaram a ser invocados e adorados.
A Escritura, além de condenar a
invocação e a adoração de qualquer criatura em lugar de Deus, nada tem a dizer
sobre jurisdições confiadas aos santos. Ela relata, porém, o sepultamento de
crentes piedosos e a ação de Deus por meio desses irmãos. Por exemplo, Jacó e
José pediram que seus corpos fossem levados do Egito para a terra prometida,
mas não há registro de que seus corpos tenham sido adorados ou colocados no
templo, nem carregados em procissões, nem colocados em altares. Seu pedido
apenas refletia sua fé na promessa de Deus a respeito da terra prometida. Eles
queriam que seus restos mortais fossem depositados na terra que Deus havia
prometido dar aos descendentes de Abraão.
Há, no Antigo Testamento, o relato de
que certo homem, ao ser sepultado, foi jogado às pressas sobre os ossos de
Eliseu e, ao tocá-los, ressuscitou. Este acontecimento é eventualmente usado
por aqueles que crêem no poder das relíquias, mas o fato é que nem antes nem
depois do milagre os ossos de Eliseu foram adorados nem seu túmulo foi
transformado em centro de peregrinação religiosa.
No Novo Testamento, há o relato de
que a simples colocação de um enfermo sob a sombra de Pedro foi suficiente para
que ele fosse curado (At
5.15-16). Não há, porém, um
só indício na Escritura de que Pedro tenha aceitado adoração ou tenha assumido
o papel de Mediador da nova aliança. Há um relato semelhante sobre Paulo (At 19.12). Este, porém, em preceito e exemplo, mostra
claramente que a criatura não deve ser adorada em lugar do Criador. O preceito
é encontrado em Romanos
1.25, e o exemplo é
visto quando ele claramente rejeita a adoração que os habitantes de Listra
queriam prestar a ele depois da cura de um coxo (At 14.8-18).
Há, ainda, outra forma de adoração
proibida na Escritura. Além de proibir a adoração de qualquer ser além de Deus,
a Escritura também proíbe a adoração de Deus por meio de qualquer representação
(Dt 5.8-9).
Na Escritura, todas as imagens feitas
para a adoração algum deus são chamadas de ídolos. Isso acontece, por exemplo,
com o bezerro de ouro (At
7.41), com o ídolo de
Mica (Jz 17.3-4) e com os ídolos de Jeroboão (1 Rs 12.28). Portanto, quando uma pessoa diz que,
curvando-se a uma imagem ou dirigindo a ela orações, está, na verdade,
curvando-se diante de Deus e dirigindo suas orações a ele, essa pessoa está
relatando uma prática totalmente estranha à Escritura.
Há quem tente usar os querubins que
ficavam sobre a arca da aliança e a serpente de bronze como fundamento para o
uso de imagens. No entanto, há que se observar que nem o querubim nem a
serpente de bronze foram adorados. Deus, de fato, disse que falaria a Moisés do
meio dos querubins (Êx
25.22), mas em nenhum
lugar ele ordena que Moisés os adore. Aliás, eles ficavam fora da vista do
povo, sobre a arca, no Santo dos Santos. Quanto à serpente de bronze, ela foi
completamente destruída pelo piedoso rei Ezequias justamente porque os judeus
começaram a adorá-la (2
Rs 18.4).
4 - A Água do Rio Jordão, o Sal
Grosso e o Herói que Arrasta Multidões
Até aqui, a lição tratou da afirmação
da doutrina reformada da glória de Deus em oposição à doutrina católica do
tempo da Reforma. No entanto, a realidade de grande parte da comunidade
evangélica de nossa época faz com que esta doutrina tenha especial relevância
hoje.
No mundo evangélico, uma imensa
multidão de pessoas tem sido atraída por pastores que agem como heróis
religiosos, canalizando para si mesmos uma atenção que deveria ser direcionada
a Jesus, o único Salvador e Cabeça da igreja. Nesses movimentos, o líder se
apresenta como revestido de autoridade espiritual máxima, pronto para
solucionar problemas, curar enfermos, expulsar legiões de demônios, darem
ordens e receber recompensas em nome de Cristo.
Essa postura personalista deixa em
segundo plano a pessoa de Cristo, que é quem verdadeiramente soluciona, abençoa
cura, restaura, enfim, quem verdadeiramente age como Senhor da igreja e sumo
sacerdote eterno. Uma coisa é o pastor ser fiel, ter um ministério abençoado e
frutífero e levar a igreja a glorificar a Cristo, reconhecendo nele a fonte de
todo o bem e de toda a vida. Outra coisa é o pastor apontar para si mesmo,
confiando em sua eloqüência e em suas aptidões para arrastar multidões. A
igreja é de Cristo e tudo o que se faz nela deve redundar em glórias a Cristo,
a mais ninguém.
Outro problema visto nesses grupos
evangélicos é o uso de “relíquias evangélicas”: copo de água em cima do rádio,
toalhinha santa, sal grosso, água do rio Jordão, lascas da arca de Noé, pregos
da cruz, manto de Elias, etc. Tudo isso são relíquias modernas que chamam para
si uma atenção que só devia ser dada a Cristo. Quem cura e abençoa não é a água
barrenta do rio Jordão ou a água cristalina de uma fonte borbulhante; não é o
sal grosso nem o sal refinado; não é o manto de Elias nem de Pedro; quem cura e
abençoa, conforme a sua vontade soberana e bem feitora é Jesus Cristo, o único
Mediador da nova aliança, o único Salvador, o único Autor da vida.
5 - A Glória de Deus como o
Objetivo Máximo de Todas as Coisas
De acordo com o Catecismo
Maior de Westminster, “o fim supremo e principal do homem é glorificar a
Deus e gozá-lo para sempre”. Deus não divide com ninguém a sua glória (Is 42.8) e governa a história de modo que em tudo ele seja
glorificado. Veja como ele fez isso na história de Israel e da igreja: Deus
escolheu seu povo para sua glória (Ef
1.4-6; 12 e 14); nos criou para a sua glória (Is
43.6-7); chamou Israel para
a sua glória (Is 49.3; Jr 13.11). Deus resgatou Israel do Egito para a
sua glória (Sl 106.7-8); levantou Faraó para mostrar seu
próprio poder e glorificar seu próprio nome (Rm 9.17); derrotou Faraó no Mar Vermelho para mostrar a sua glória (Êx 14.4,17-18). Deus poupou Israel no deserto para a
glória do seu nome; (Ez
20.14); deu a Israel a
vitória em Canaã para a glória do seu nome (2 Sm 7.23); não desamparou o seu povo para a glória do seu nome (1 Sm 12.20-22). Deus restaurou Israel do exílio para
a glória do seu nome (Ez
36.22-23,32).
Também vemos isso na pessoa de
Cristo. O Senhor Jesus buscou a glória de seu Pai em tudo o que fez (Jo 7.18); ensinou-nos a fazer boas obras para glorificarmos
a Deus (Mt 5.16; 1 Pe 2.12); advertiu que não buscar a glória de
Deus torna a fé impossível (Jo
5.44); disse que
responderia às orações para que Deus fosse glorificado (Jo 14.13); suportou sofrimentos até o último momento para a
glória de Deus (Jo 12. 27-28; Jo 17.1;
13.31-32). O Senhor ofereceu
seu Filho para vindicar a glória da sua justiça (Rm 3.25-26); perdoou nossos pecados por amor de si (Is 43.25); Jesus recebe-nos em sua comunhão para a glória de Deus (Rm 15.7); o ministério do Espírito Santo é glorificar o
Filho de Deus (Jo 16.14); Deus instrui-nos a fazer todas as
coisas para a sua glória (1Co
10.31; 6.20); Deus instrui-nos a
servir de maneira que ele seja glorificado (1 Pe 4.11); Jesus enche-nos com os frutos da justiça para a glória de Deus (Fp 1.9, 11). Todos estão sob julgamento por
desonrarem a glória de Deus (Rm
1.22-23; 3.23); Jesus voltará para
a glória de Deus (2
Ts 1.9-10); O desejo de Jesus
é que na eternidade, o seu povo se alegre em sua companhia contemplando a sua
glória (Jo 17.24). Mesmo na ira, o propósito de Deus é
fazer conhecida a riqueza da sua glória (Rm
9.22-23); o plano de Deus é
encher a terra com o conhecimento de sua glória (Hc 2.14). Todas as coisas que acontecem redundam na glória de Deus (Rm 11.36). Na Nova Jerusalém, a glória de Deus substitui o
sol (Ap 21.23).
6 – Conclusão
A adoração só é
devida a Deus. Devemos nos lembrar disso não apenas quando somos convidados a
agir de modo errado e nos curvar diante de uma imagem e oferecer orações a ela,
mas também quando somos tentados a adorar as modernas “relíquias evangélicas” e
a ter pelos líderes religiosos uma consideração muito maior do que a que é
devida. Somente Deus deve ser adorado.
7 - Aplicação Pessoal
Como se manifesta o
moderno “culto evangélico às relíquias”? Que atitude devemos tomar quando temos
esse comportamento diante de nós?
Leitura Diária
Domingo – Êx 20.1-17 – O Dez Mandamentos
Segunda – Is 42.1-9 – A minha glória, não a dou a outrem
Terça – Rm 11.33-36 – Dele, por ele e para ele
Quarta – Hb 7.23-25 – O nosso intercessor
Quinta – At 17.16-31 – É de Deus que recebemos bênçãos
Sexta – 1 Co 10.31 – Tudo para a glória de Deus
Sábado – Hc 2.12-14 – A glória de Deus